O
tapetinho é instrumento principal do praticante de Yoga. O tapete, fisicamente,
marca um espaço dentro da sala, marca uma individualidade e
uma identidade. Simbolicamente o tapetinho representa o momento sagrado, o
momento do ritual, a prática das técnicas corporais. E o que é feito em cima do
tapetinho, o que em cima dele é exercitado, deve ser estendido ao dia-a-dia. “A
prática de Yoga não consiste apenas na prática em cima do tapetinho” disse-me
um praticante.
Para
ilustrar como um acessório pode adquirir outro significado de acordo com o uso
que dele é feito, relato essa estória. Fui ao centro da cidade, numa loja de
tecidos para comprar um tapete para o banheiro da minha casa. Foi curioso notar
que um dos artigos vendidos nessa loja, diferentemente do uso planejado pelos
fabricantes, tornou-se um acessório para Yoga.
Ao
chegar à loja vi o tapete muito usado pelos yogis exposto à venda. O produto
estava exposto ao lado dos tapetes de banheiro e com esse muito se assemelha. O
uso indicado pelo fabricante é como forro para mesa, como tapete para sentar-se
ao chão, sobre a grama. O produto é anti-derrapante, feito de borracha e
trançado a fio. A diferença entre o tapete de Yoga e o tapete de banheiro é que
o segundo tem um maior espaço entre os fios.
Perguntei
quanto era o metro do produto e a atendente, que achou estar eu perguntando o
preço do tapete de Yoga com o intuito de colocar no banheiro, respondeu
tentando me corrigir: “Hei, esse aí é para Yoga, custa 31,00 reais o metro”. Eu
já sabia desse uso não programado do produto, pois eu mesmo, há um ano atrás
tinha comprado o meu próprio tapetinho nesse mesmo local. Algumas pessoas optam
por comprar o tapetinho nesse tipo de loja porque sai mais barato e você pode
comprar do tamanho que escolher. O que me surpreendeu foi o fato da vendedora
atribuir a função do tapetinho à prática de Yoga. Ela disse que esse material
sai muito na loja com essa função. A loja, então incorporou a função de
tapetinho de Yoga à borracha antiderrapante.
Hoje a
Nike fabrica e comercializa tapetinhos de Yoga. A primeira vez que vi um foi no
curso de formação e fiquei surpreso. Depois vi anúncios na internet divulgando
o produto.
O
tapetinho de Yoga é usado para não escorregar, mas cheguei a ouvir também o
fato de ser um isolante térmico e ser um isolante de vibrações
telúricas, sob as quais o praticante encontra-se mais vulnerável quando
pratica. ®iva, o criador do Yoga, em suas representações gráficas, aparece
sentado sobre a pele de um tigre. Modernamente já ouvi dizer que o tapetinho
parece cumprir a função da pele.
Hoje
as grifes de roupas de Yoga oferecem, também, tapetinhos à venda, bem como a
bolsa para carregá-lo. É possível, de longe, reconhecermos um yogi pela bolsa
que usa. Certa vez, fui ao aeroporto receber alguns participantes de um evento
de Yoga que acontece aqui em Florianópolis. Percebi que tanto eu, quanto os
participantes que desembarcaram, reconheciam um ao outro como participantes do
encontro pela bolsa que traziam pendurada ao ombro. O tapetinho, na prática
de Yoga, é uma extensão do corpo do praticante e é um demarcador espacial. Ele
demarca o espaço que o praticante ocupa dentro da sala. Geralmente, dentro da
prática de asanas, o praticante não pisa fora do tapetinho e de preferência em
momento algum deve pisar sobre o tapetinho do outro. Portanto, o tapetinho é
uma marca de individualidade, tanto espacial, quanto estética, pois a cor e a
estampa marcam um gosto, uma escolha.
A
idéia de prática sobre o tapetinho deve ser estendida à vida cotidiana. É em
cima do tapetinho que se dá a viagem a si mesmo. O aprendizado de si e a
introjeção, por meio do corpo, de valores yogis. “O que se apreende ali serve
de modelo para a vida”, ouvi de praticantes. Os praticantes dizem que o a
prática no tapetinho serve como um treino para enfrentar os problemas da vida.
O que se experiência em cima do tapetinho, frustrações por não conseguir
executar uma posição, cansaço, raiva, alegria, deve ser observado passivamente,
entendido e processado, para que quando esses sentimentos surjam no cotidiano,
o praticante saiba agir com mais moderação.
É
criticado o praticante que apenas pratica em cima do tapetinho e não estende a
sua atenção sobre as ações, emoções e pensamentos à vida cotidiana. É como se
nessas falas sobre extensão da prática para fora do tapetinho,
este simbolizasse o momento sagrado e a cobrança é no sentido de levar
essa sacralidade à vida profana, num processo de sacralização do cotidiano.
É em
cima do tapetinho que se da o principal ritual yogi, a prática de asanas, pranayamas,
meditação. No entanto, é enfatizado, tornar-se iogue não consiste apenas em
passar algumas horas exercitando o corpo em cima do tapetinho, exige uma
regularidade de vida, uma determinada disciplina, um ascetismo físico, mental e
emocional que é exercitado e introjetado dentro da prática, mas que deve ser
estendido a todos os momentos da vida.
Esse
ascetismo faz parte da própria construção do sujeito yogi e possui, como
defendo aqui nesta pesquisa, forte carga individualizada e individualizante. A
maior parte dos rituais yogis são individuais, no sentido de sempre incentivar
o mergulho em si mesmo, de introjetar uma cosmologia altamente psicologizada e
psicologizante e de pouco ou quase nada haver de contato corporal entre os
indivíduos dentro dos rituais. No Yoga, é a partir das técnicas corporais que
os valores são introjetados e os valores são construídos no indivíduo em
referência ao corpo. Não há como separar a construção do corpo yogi, da
construção da pessoa yogi, pois o ser yogi é sempre corpo-referenciado.
Texto
extraído da dissertação de mestrado de Tales Nunes (2008, p.81-84)