26/02/2013

O Tapetinho

O tapetinho é instrumento principal do praticante de Yoga. O tapete, fisicamente, marca um espaço dentro da sala, marca uma individualidade e uma identidade. Simbolicamente o tapetinho representa o momento sagrado, o momento do ritual, a prática das técnicas corporais. E o que é feito em cima do tapetinho, o que em cima dele é exercitado, deve ser estendido ao dia-a-dia. “A prática de Yoga não consiste apenas na prática em cima do tapetinho” disse-me um praticante.
Para ilustrar como um acessório pode adquirir outro significado de acordo com o uso que dele é feito, relato essa estória. Fui ao centro da cidade, numa loja de tecidos para comprar um tapete para o banheiro da minha casa. Foi curioso notar que um dos artigos vendidos nessa loja, diferentemente do uso planejado pelos fabricantes, tornou-se um acessório para Yoga.
Ao chegar à loja vi o tapete muito usado pelos yogis exposto à venda. O produto estava exposto ao lado dos tapetes de banheiro e com esse muito se assemelha. O uso indicado pelo fabricante é como forro para mesa, como tapete para sentar-se ao chão, sobre a grama. O produto é anti-derrapante, feito de borracha e trançado a fio. A diferença entre o tapete de Yoga e o tapete de banheiro é que o segundo tem um maior espaço entre os fios.
Perguntei quanto era o metro do produto e a atendente, que achou estar eu perguntando o preço do tapete de Yoga com o intuito de colocar no banheiro, respondeu tentando me corrigir: “Hei, esse aí é para Yoga, custa 31,00 reais o metro”. Eu já sabia desse uso não programado do produto, pois eu mesmo, há um ano atrás tinha comprado o meu próprio tapetinho nesse mesmo local. Algumas pessoas optam por comprar o tapetinho nesse tipo de loja porque sai mais barato e você pode comprar do tamanho que escolher. O que me surpreendeu foi o fato da vendedora atribuir a função do tapetinho à prática de Yoga. Ela disse que esse material sai muito na loja com essa função. A loja, então incorporou a função de tapetinho de Yoga à borracha antiderrapante.
Hoje a Nike fabrica e comercializa tapetinhos de Yoga. A primeira vez que vi um foi no curso de formação e fiquei surpreso. Depois vi anúncios na internet divulgando o produto.
O tapetinho de Yoga é usado para não escorregar, mas cheguei a ouvir também o fato de ser um isolante térmico e ser um isolante de vibrações telúricas, sob as quais o praticante encontra-se mais vulnerável quando pratica. ®iva, o criador do Yoga, em suas representações gráficas, aparece sentado sobre a pele de um tigre. Modernamente já ouvi dizer que o tapetinho parece cumprir a função da pele.
Hoje as grifes de roupas de Yoga oferecem, também, tapetinhos à venda, bem como a bolsa para carregá-lo. É possível, de longe, reconhecermos um yogi pela bolsa que usa. Certa vez, fui ao aeroporto receber alguns participantes de um evento de Yoga que acontece aqui em Florianópolis. Percebi que tanto eu, quanto os participantes que desembarcaram, reconheciam um ao outro como participantes do encontro pela bolsa que traziam pendurada ao ombro. O tapetinho, na prática de Yoga, é uma extensão do corpo do praticante e é um demarcador espacial. Ele demarca o espaço que o praticante ocupa dentro da sala. Geralmente, dentro da prática de asanas, o praticante não pisa fora do tapetinho e de preferência em momento algum deve pisar sobre o tapetinho do outro. Portanto, o tapetinho é uma marca de individualidade, tanto espacial, quanto estética, pois a cor e a estampa marcam um gosto, uma escolha.
A idéia de prática sobre o tapetinho deve ser estendida à vida cotidiana. É em cima do tapetinho que se dá a viagem a si mesmo. O aprendizado de si e a introjeção, por meio do corpo, de valores yogis. “O que se apreende ali serve de modelo para a vida”, ouvi de praticantes. Os praticantes dizem que o a prática no tapetinho serve como um treino para enfrentar os problemas da vida. O que se experiência em cima do tapetinho, frustrações por não conseguir executar uma posição, cansaço, raiva, alegria, deve ser observado passivamente, entendido e processado, para que quando esses sentimentos surjam no cotidiano, o praticante saiba agir com mais moderação.
É criticado o praticante que apenas pratica em cima do tapetinho e não estende a sua atenção sobre as ações, emoções e pensamentos à vida cotidiana. É como se nessas falas sobre extensão da prática para fora do tapetinho, este simbolizasse o momento sagrado e a cobrança é no sentido de levar essa sacralidade à vida profana, num processo de sacralização do cotidiano.
É em cima do tapetinho que se da o principal ritual yogi, a prática de asanas, pranayamas, meditação. No entanto, é enfatizado, tornar-se iogue não consiste apenas em passar algumas horas exercitando o corpo em cima do tapetinho, exige uma regularidade de vida, uma determinada disciplina, um ascetismo físico, mental e emocional que é exercitado e introjetado dentro da prática, mas que deve ser estendido a todos os momentos da vida.
Esse ascetismo faz parte da própria construção do sujeito yogi e possui, como defendo aqui nesta pesquisa, forte carga individualizada e individualizante. A maior parte dos rituais yogis são individuais, no sentido de sempre incentivar o mergulho em si mesmo, de introjetar uma cosmologia altamente psicologizada e psicologizante e de pouco ou quase nada haver de contato corporal entre os indivíduos dentro dos rituais. No Yoga, é a partir das técnicas corporais que os valores são introjetados e os valores são construídos no indivíduo em referência ao corpo. Não há como separar a construção do corpo yogi, da construção da pessoa yogi, pois o ser yogi é sempre corpo-referenciado. 

Texto extraído da dissertação de mestrado de Tales Nunes (2008, p.81-84)

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